segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

História do Cristianismo ( visão histórica )

   


História do Cristianismo ( visão histórica )


Uma das histórias mais conhecidas no mundo é a dos últimos dias de Jesus, um carpinteiro nascido na Galiléia, que se autoproclamava o messias, ou seja, o escolhido - ou ainda, em grego, o cristo. Como Confúcio, Sócrates ou Buda, Jesus não deixou documentos escritos.

Sua passagem pelo planeta tampouco deixou vestígios para a arqueologia. Ele nada construiu. Não assinou seu nome em lugar algum. Seu corpo não foi mumificado.

Cronistas da época não registraram sua história, nem nas atas oficiais do Estado romano, nem nas obras de história judaica. Flávio Josefo, cuja extensa obra Antiguidades Judaicas apareceu por volta do ano 90, mencionou-o apenas numa nota ocasional, a propósito do processo e do apedrejamento de "Tiago, irmão de Jesus, o assim chamado Cristo".
O Talmude babilônico fala de Jesus como um mago, um agitador que zombou das palavras dos sábios, teve cinco discípulos e foi enforcado na véspera da Páscoa. A maior parte do que sabemos sobre ele nos foi contada pela Bíblia, um livro de tradições religiosas, escrito a partir das narrativas de gente que o conheceu, ou conheceu quem o conheceu, ou que apenas ouviu falar dele.


Mas, se a vida de Jesus foi curta, misteriosa e triste, a história daqueles que o escolheram como líder e que acreditaram naquilo que ele dizia é longa e, apesar das intempéries, vitoriosa. Senão, vejamos: o grupo que andava com Jesus foi perseguido. Eram tão poucos, pobres, incultos e malvistos entre a população de Jerusalém que viviam escondidos.


Apenas 380 anos depois, o imperador romano (antes ele mesmo um semideus) se tornaria cristão e, passados mais meros 500 anos, nenhum soberano europeu seria digno de sua coroa se ela não fosse abençoada pela cruz. Em mil anos, o cristianismo seria a instituição mais poderosa do planeta e, na virada do ano 2000, cerca de 2 bilhões de pessoas, um terço da população mundial, professavam a religião.

Se descontarmos a fé e alguma interferência sobre-humana (e, se não o fizermos, teremos que continuar esta reportagem em alguma publicação cristã), como explicar tamanho sucesso? Mas vamos por partes. No começo desta história, é preciso responder como o cristianismo sobreviveu.


Ressurreição

O cristianismo nasceu mesmo em Jerusalém. Na época, uma cidade com cerca de 100 mil habitantes, na periferia do vasto Império Romano, que ia da atual Inglaterra ao Iraque. A região, ocupada desde 63 a.C., pouco contribuía para o império e a vida era plantar, pastorear umas cabrinhas e pagar impostos para o templo, que os dividia com os representantes de Roma.
Havia um rei que não mandava nada e uma pobreza endêmica. Em Jerusalém ficava o templo, cujos muros sagrados, segundo a tradição judaica, teriam sido erigidos sobre os escombros do original construído pelo próprio Salomão para abrigar as tábuas dadas a Moisés por Deus. Ou seja, era coisa importante. A vida dos judeus se organizava em torno do templo: ali se fazia comércio, encontravam-se os amigos, fazia-se política e, é claro, conspirava-se contra Roma.


Foi nesse cenário que um grupo formado por pescadores, trabalhadores braçais e pequenos comerciantes apareceu falando de um homem que morrera crucificado e que, por incrível que pudesse parecer, ressuscitara. A notícia de que o messias estivera por ali já circulava entre o povo da cidade.


Alguns haviam ouvido falar de Jesus, que fazia curas e andava pelo deserto. Uns talvez até conhecessem João Batista - outro pregador que fizera algum sucesso tempo antes -, mas ninguém nunca ouvira dizer que ele revivera dos mortos.

"O mito do Cristo que morre e ressuscita exerceu um fascínio incomum entre as pessoas e acabou desencadeando um vertiginoso crescimento da seita cristã", afirma Paulo Augusto de Souza Nogueira, professor de ciências da religião da Universidade Metodista de São Paulo. "Na época, havia um grande sincretismo religioso no Império Romano e, ao contrário do que se acredita, um intercâmbio do judaísmo com diferentes religiões mediterrâneas. Isso abriu espaço para doutrinas divergentes da tradição judaica, fato que preparou o caminho para a disseminação do cristianismo."

Por volta do ano 40, o grupo já pregava nas sinagogas e dizia ser Jesus o cristo que todo mundo esperava. A mensagem sobreviveu em Jerusalém entre os judeus e não há indícios sobre atos de perseguição aos cristãos por parte dos romanos ou das autoridades judaicas.

Quem não sobreviveu foi a própria Jerusalém, que entre 66 e 70 foi destruída pelos romanos - com templo sagrado e tudo - após uma revolta contra o pagamento de impostos. No entanto, para sorte do cristianismo, quando isso aconteceu a maioria dos cristãos não estava mais lá.

A religião se propagara e chegara à Europa. Nesse processo, um homem teve especial importância. Nascido em Tarso, na Ásia Menor (na atual Turquia), um centro de cultura helenística, o cidadão romano Saulo era judeu e aos 15 anos mudou-se para Jerusalém para estudar numa conceituada escola da cidade.

Sobre ele, o que se sabe está na Bíblia. Saulo, que passaria para a história como Paulo, não chegou a conhecer Jesus, mas em Jerusalém ouviu falar de seus seguidores.

As viagens de Paulo e sua mensagem, expressa em cartas enviadas às comunidades que fundou, foram essenciais para a doutrina cristã adquirir o caráter universal que tem hoje. Nelas, defendeu a obediência dos cristãos ao império, o pagamento de impostos, fez apologia da escravidão, legitimou a submissão feminina.

Além disso, pregou contra a obrigatoriedade da circuncisão. O que foi um alívio para os homens.

Ao final do primeiro século, o cristianismo tinha adquirido alma própria. Cidades como Antioquia, capital da província romana da Síria (onde pela primeira vez, por volta do ano 45, o termo "cristão" foi usado para identificar os seguidores de Jesus), Éfeso, na Ásia Menor, Corinto, na Grécia, e Alexandria, no norte da África, já tinham comunidades bem estruturadas, que congregavam cerca de 8 mil seguidores.

Não parece muito, não é verdade? Mas os cristãos haviam sobrevivido e, o mais importante para a nossa história, chegado ao centro do mundo: Roma.


Até o início do século 4, os cristãos tiveram que sobreviver nas sombras. No início, passaram quase despercebidos: reuniam-se sem alarde e conquistavam cada vez mais adeptos. "A maioria das religiões daquela época era ligada à etnia, à nacionalidade. O cristianismo, ao contrário, não tinha pátria e estava desatrelado de um rei, ou de um país. O reino de Jesus, diziam, estava em qualquer lugar e isso o ajudou a ser aceito em Roma, onde viviam muitos estrangeiros", diz o teólogo e professor Ralph Norman, da Universidade de Canterbury, no Reino Unido.

Mas o que ajudava a crescer também atraía a desconfiança. Historiadores romanos do século 2, como Tácito e Suetônio, registraram a perseguição aos cristãos, em Roma, tanto no período de Cláudio, imperador entre 41 e 54, quanto no de seu sucessor, Nero, que governou até 68.

A perseguição gerou mártires entre os cristãos e seus túmulos passaram a servir de local de reuniões religiosas. "A adoração aos mártires, ou 'homens santos', é um sinal de como o cristianismo assimilou aspectos do culto greco-romano aos antepassados. Um sincretismo impensável na tradição judaica", afirma Norman. Em 303, o imperador Dioclesiano decretou que todo cristão deveria ser preso e obrigado a cultuar o imperador.

No início, não gostou nadinha deles, mas depois acabou se convertendo. A partir daí, passou a ser o principal propagador da nova fé. Entre 46 e 60, viajou por todo o mundo mediterrâneo falando de Jesus. "A influência de Paulo é indiscutível", diz o historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"Se não fosse ele, o cristianismo provavelmente não teria passado de mais uma seita judaica." Mas como ele fez isso? "Paulo era um teólogo prático, que cortou o cordão umbilical entre a nova fé cristã e o judaísmo, tornando-a mais aceitável para romanos, gregos e outros povos mediterrâneos", afirma o pastor Martin Dreher, professor de história da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, em seu livro A Igreja no Império Romano.

Mas quem estava com os dias contados não era o cristianismo. Era o império. Crise, inflação, revoltas populares e derrotas militares: o mundo romano não era mais aquele.

"O cristianismo não foi uma das causas da queda do império, mas se beneficiou de seu declínio", diz André. Os cristãos formavam comunidades organizadas, que se reuniam em torno das igrejas e respeitavam uma estrutura hierárquica formal, composta por supervisores (em grego, episcopos, ou bispos), diáconos e presbíteros. Além disso, o cristianismo já havia se adaptado melhor às tradições romanas e vice-versa.

Em 313, o novo governante, Constantino I, percebeu que, ao invés de combater a cristandade, poderia trazê-la para seu lado e usá-la como base de sustentação de seu império. "Constantino foi um visionário. Fez uma opção política pelo cristianismo, numa época em que apenas 10% da população que governava pertencia a essa fé", diz Martin Dreher. Com o seu gesto, o imperador pôs fim às perseguições e deu à Igreja um poder inédito. Ao mesmo tempo, preparou o caminho para que a fé cristã se tornasse a religião oficial do Império Romano - o que viria a ocorrer em 380, com o batismo do imperador Teodósio - e chegasse aos limites do império, como as ilhas britânicas e o Egito, por exemplo.

Europa de joelhos

No início do século 5, o cristianismo encontrava-se fortalecido em Constantinopla (atual Istambul, na Turquia), a nova capital do Império Romano, mas no Ocidente a coisa andava feia. O império pouco podia fazer contra a invasão dos bárbaros, povos belicosos de origem germânica, e em 452, quando Átila, chefe dos hunos, chegou às portas de Roma, não havia outra autoridade no local senão o papa Leão Magno. Só lhe restou pedir clemência.

E quando, em 476, a cidade foi finalmente conquistada por Odoacro, rei dos hérulos, a Igreja já era tão influente que perdeu a riqueza, mas manteve intacta sua estrutura eclesiástica. Mais uma vez, o cristianismo soube se adaptar aos novos tempos.

Os bárbaros acreditavam em forças da natureza, seus deuses vinham das florestas e seus ritos eram repletos de magia. Havia ainda deidades femininas e objetos sagrados, como o cálice, por exemplo, que tinha o poder de dar a vida e era usado em cerimônias festivas.

"Nessa época surgem diversas novidades na liturgia cristã, algumas sob clara influência dos cultos pagãos", diz Norman. "As imagens e relíquias de santos, por exemplo, passam a ser aceitas e a elas são atribuídos poderes mágicos. A própria Maria, mãe de Jesus, quase esquecida no mundo cristão-romano, ganha um novo papel. Muito mais místico: o de 'mãe de Deus'."

A queda de Roma desencadeou lutas ferozes entre os vários povos pelo domínio do espólio imperial: visigodos, vândalos, francos, hérulos, anglos e saxões, entre outros, queriam sua parte e a única instituição unificada e com algum nível de organização era a Igreja cristã. E os reis bárbaros sacaram isso.

Alguns, por isso mesmo, perseguiram e mataram padres, papas e bispos. Outros preferiram se unir à Igreja. Em 508, Clóvis, rei dos francos, foi batizado. "Foi um momento importante, que fez com que a Igreja passasse a contar com a proteção do Estado e a Gália (atual França) tornou-se um centro de irradiação do cristianismo", afirma o padre José Oscar Beozzo, diretor do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, em São Paulo.

Em 587, foi a vez do rei visigodo Recaredo, que dominava a região da atual Espanha. Dois anos depois, Etelberto e Berta, o casal real da Grã-Bretanha, levaram os anglo-saxões para o rebanho cristão.

O contrato entre os reis e a Igreja duraria por séculos e estaria na raiz da legitimação divina do poder monárquico. O cristianismo estaria comprometido, a partir de então, com a formação dos países e dos sentimentos nacionais na Europa.

Ora, quem são os franceses senão os bárbaros francos que se tornaram cristãos? O feudalismo separaria os povos em glebas e castelos, mas a religião os uniria numa nacionalidade única.

Além disso, uma vez cristãos, os reis passaram a impor sua fé adiante. O maior expoente nesse quesito foi o rei franco Carlos Magno. Com a espada em uma mão e a cruz na outra, ele derrotou saxões, ávaros e lombardos e expandiu os domínios da cristandade.

No Natal do ano 800, Carlos foi coroado pelo papa Leão III como o imperador do Sacro Império Romano-Germânico. "Os cristãos do Oriente nunca aceitaram a consagração de Carlos Magno. Se, por um lado, esse episódio fortaleceu o cristianismo no Ocidente, por outro lançou a semente política do cisma que se concretizaria dois séculos depois", afirma o teólogo José Oscar.

Segundo milênio

No alvorecer do ano 1000, o cristianismo passou por profundas transformações. A primeira ocorreu em 1054 com a ruptura entre Oriente e Ocidente. A Igreja de Constantinopla andava descontente com o papado de Roma e divergia quanto a costumes eclesiásticos e condutas litúrgicas ocidentais, como a obrigatoriedade de rezar missas em latim - os orientais defendiam que a liturgia fosse proferida na língua local -, a adoração de imagens e a obrigatoriedade de celibato - no Oriente, clérigos abaixo da posição de bispo podiam casar.

A divergência chegou a tal ponto que o patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, foi excomungado pelo papa Leão IX. Como resultado, rompeu com Roma e criou a Igreja Ortodoxa. "Foi a primeira grande divisão no cristianismo e acabou com a unidade da Igreja", afirma o pesquisador americano Earle Cairns, no livro O Cristianismo Através dos Séculos. Segundo ele, o período que se seguiu ao cisma até o início do século 14 pode ser considerado como o de maior influência do papado sobre o poder temporal.

Uma das conseqüências diretas desse extremo poder exercido pela Igreja nessa época foram as Cruzadas. A primeira teve início em 1096 e durou três anos.

Atendendo ao apelo do papa Urbano II, cerca de 25 mil peregrinos cruzaram a Europa com o objetivo de conquistar Jerusalém, quese tornara uma cidade muçulmana no século 7 e que, na época, estava sob o controle dos turcos selêucidas. Depois de uma dura batalha, os cruzados tomaram a cidade e protagonizaram uma carnificina, massacrando milhares de judeus e muçulmanos. "Se você estivesse ali, seus pés ficariam mergulhados até os tornozelos no sangue dos mortos", declarou o cronista Fulcher de Chartres, que participou da expedição.

té o século 13, outras sete cruzadas seriam realizadas, sendo que, ao final delas, o objetivo das expedições, a libertação do Santo Sepulcro, local onde o corpo de Jesus supostamente havia sido guardado, não havia sido atingido. As Cruzadas, no entanto, assentaram o poder do papado sobre a cristandade e tiveram forte influência política, social e econômica no mundo ocidental.

Outro desdobramento do poder totalitário da Igreja foi a criação da Santa Inquisição, um tribunal de padres nomeados diretamente pelo papa, que tinha o poder de acusar, julgar e executar quem bem quisesse. Em países como a Espanha e a França, os inimigos da Igreja (e nessa designação cabiam de príncipes acusados de sodomia a cientistas julgados por bruxaria) passaram por maus bocados.

Em 1252, o papa Inocêncio IV autorizou o uso da tortura e da fogueira para arrancar confissões. "Era um negócio sujo, mas quase todos após [Santo] Agostinho concordavam que salvar o corpo pela amputação de um membro era uma atitude sábia. Obviamente, a Igreja romana era o corpo e os hereges, o membro doente", escreveu o historiador canadense Bruce Shelley em História do Cristianismo. No auge da perseguição, entre 1570 e 1630, estima-se que mais de 50 mil pessoas foram condenadas à morte em todo continente.


Reforma contra Reforma


Na metade do segundo milênio, a sociedade européia encontrava-se em ebulição. Na Europa, o sistema feudal dava mostras de estar superado e os estados nacionais tinham surgido como unidades políticas autônomas. "A religião que fora a base da sociedade até então não dava mais conta da revolução que acontecia com o crescimento das cidades e a ascensão de uma classe média, que não se contentava com sua condição social", diz Martin Dreher.

O momento era de contradições também no campo teológico. A Igreja, riquíssima detentora de terras, vivia em meio à pobreza crescente e às ondas de fome e doenças.

O celibato clerical não era respeitado e os papas apoiavam monarquias sanguinárias. Um deles, Alexandre VI, teve quatro filhos e costumava promover orgias no Vaticano.

Foi nesse cenário de degradação que a Igreja viveu seu segundo grande racha. Revoltado contra o comércio de indulgências - uma espécie de documento vendido pela Igreja que perdoava a pessoa de todos os seus pecados -, o monge alemão Martinho Lutero rompeu com Roma, dando início ao movimento reformista, chamado protestante.


À parte a polêmica levantada por suas posições teológicas - criticava a riqueza e a corrupção na Igreja e o papel privilegiado dos padres na sociedade, entre outras coisas -, Lutero dava força a uma classe de pessoas que cada vez tinha mais poder econômico, mas nenhum político: os comerciantes. Os protestantes não faziam muita onda com as "obras" e diziam que a fé bastava para ir ao céu.


Ou seja, podem guardar seu dinheirinho, podem ter lucro sem remorso. Lutero foi excomungado pelo papa Leão X, em 1521. "A Reforma Protestante foi uma adequação da religião cristã ao mundo moderno", afirma Lauri Emilio Wirth, coordenador da pós-graduação em ciências da religião da Universidade Metodista de São Paulo.


Mas a resposta do clero romano ao movimento reformista não demorou. O Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, oficializou a separação entre católicos e protestantes e deu novo fôlego à Igreja Católica, que não deixou de ser a principal influência sobre os reis europeus.


Mas, no Novo Mundo que nascia, haveria espaço para católicos e protestantes. Os europeus haviam chegado à América e, com isso, mais um contingente enorme de almas pagãs estava pronto para ser conquistado.

A cristianização foi um dos instrumentos para a colonização do novo continente e, desde cedo - tanto o protestantismo, no Norte, como o catolicismo, na parte espanhola e portuguesa - surgiram como fontes de influência moral e política nas novas terras. Também aqui se repetiria o sincretismo entre o cristianismo e as crenças indígenas (principalmente no caso da América espanhola) e as religiões dos negros trazidos como escravos, basicamente no Caribe e no Brasil.

No final do século 18, no entanto, a própria estrutura do Estado nacional estava em xeque. O Iluminismo, movimento que enfatizava o uso da razão e da ciência para explicar o mundo, questionava o papel da religião na sociedade e queria uma nova ordem social em que os interesses humanos estivessem no centro das decisões.

Contra as designações divinas, os homens teriam nascido todos livres e iguais. O filósofo francês Voltaire, uma das mais destacadas figuras do movimento, era um crítico incansável da religião e costumava referir-se ao cristianismo como "coisa infame".

Para os iluministas, a preocupação básica do homem não era a vida futura, como pregava a religião, mas a satisfação neste mundo. Em 1789, inspirados nessas idéias, os franceses - olha os descendentes de Carlos Magno aí - derrubaram a monarquia e instituíram a separação entre Igreja e Estado. Uma revolução e tanto.

Cristo vive

Depois de caminhar durante séculos de braços dados com o Estado, a Igreja passou os dois últimos séculos acostumando-se a sua nova posição. Não que sua influência tenha desaparecido ou seus fiéis tenham diminuído.

Pelo contrário. No início do século 19, os seguidores do cristianismo somavam 230 milhões. Hoje são 2 bilhões.

Uma das experiências mais marcantes para esse crescimento foi o surgimento da Igreja Pentecostal, nascida de um ramo protestante nos Estados Unidos. Hoje ela tem o segundo maior rebanho cristão do planeta, com 500 milhões de fiéis.

Mas entre os grandes ramos do cristianismo tradicional, como o catolicismo, a coisa também não ficou parada. A realização do Concílio Vaticano II, no início dos anos 1960, promoveu a modernização da religião e enfatizou o movimento ecumênico. Foi a partir desse encontro que as missas deixaram de ser celebradas exclusivamente em latim e passaram a ser rezadas na língua local.

O ecumenismo, por sinal, tem sido uma das marcas do papa atual João Paulo II. Durante os 26 anos de seu mandato, ele realizou viagens ao redor do mundo e esboçou movimentos de reaproximação com os cleros ortodoxo e anglicano (ramo protestante na Inglaterra).

Hoje o cristianismo convive melhor com outras religiões. O papa teve, ainda, um importante papel na derrocada do regime comunista da União Soviética. No alvorecer do terceiro milênio, desculpou-se pelos erros cometidos pela Igreja no passado, notadamente pelo aval dado às atrocidades cometidas pelos conquistadores portugueses e espanhóis contra os povos nativos das Américas.

Suas campanhas, no entanto, não impediram que o catolicismo - e o cristianismo como um todo - ingressasse no século 21 fragilizado. Crenças doutrinárias inflexíveis relacionadas a temas sexuais - como aborto, homossexualismo e castidade pré-marital - e uma estrutura hierárquica fortemente masculina mostram-se pouco atraentes numa sociedade secularizada como a ocidental.

Com isso, é cada vez menor o número de jovens que se dedicam ao sacerdócio e a Igreja Católica tem dificuldade de conquistar novas ovelhas. Atualmente, o islamismo é a fé que mais cresce no mundo e já é a segunda maior religião em vários países europeus, como França e Alemanha.

Apesar disso, é inegável que o cristianismo ainda continue sendo uma das mais fortes instituições do planeta. E, a julgar pelas grandes dificuldades vencidas nos últimos 2 mil anos, não é de surpreender que, diante desse novo desafio, ele venha a superá-lo e fique ainda mais fortalecido. E, só para lembrar: nunca - nunca - houve um presidente americano não-cristão.

Matéria publicada originalmente em História 16 - dezembro 2004

fonte-http://historia.abril.uol.com.br/2004



 

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